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31 de agosto de 2014

Diálogos agroecológicos sobre conservação e promoção do uso sustentável da biodiversidade na Chapada dos Veadeiros

Representantes das instituições realizadoras da IV Feira de Semente e Mudas da Chapada dos Veadeiros estiveram esta semana em Brasília, participando dos Diálogos agroecológicos sobre conservação e promoção do uso sustentável da biodiversidade. A convite da Embrapa e com apoio da Secretaria de Agricultura de Alto Paraíso, diretores da Cooperativa Frutos do Paraíso, alunos bolsistas do curso de "Agricultores protagonistas de segurança alimentar e nutricional: produção e abastecimento de alimentos" do Centro UnB Cerrado e agricultores familiares da região da Chapada dos Veadeiros participaram de palestras e rodas de prosa sobre agricultura familiar, extrativismo sustentável e valorização da identidade territorial dos produtos da Chapada, com foco nos casos do trigo Veadeiros e Café da Chapada.

algumas sementes da coleção de base da Embrapa

O resgate do trigo Veadeiros

A variedade crioula de trigo conhecido como "Veadeiros" era cultivada em Alto Paraíso de Goiás há mais de 200 anos, o que a tornou extremamente adaptada às condições climáticas e ambientais da Chapada dos Veadeiros. Mais tarde, com a introdução de novas variedades comerciais, o trigo Veadeiros acabou desaparecendo da região. O desejo e a necessidade de reintroduzí-lo nas lavouras da Chapada levaram produtores da Cidade da Fraternidade, uma comunidade de Alto Paraíso de Goiás, a procurarem a Embrapa em 2005 em busca da variedade perdida. 

Graças às ações de coleta e conservação de recursos genéticos desenvolvidas pela empresa, as sementes de trigo Veadeiros foram encontradas, armazenadas a 20ºC abaixo de zero nas câmaras geladas de conservação da Embrapa, em Brasília, DF. As sementes foram identificadas pela pesquisadora Clara Goedert, multiplicadas e entregues a dois produtores da Cidade da Fraternidade, Sinomar Machado e Fernando Trindade. Na época, eles receberam 200 sementes do trigo Veadeiros.

Agricultores da Chapada dos Veadeiros e alunos de agroecologia do Centro UnB Cerrado visitaram as câmaras geladas de armazenamento de sementes de onde foram resgatadas as sementes do trigo Veadeiros em 2005.

Sinomar e Fernando tinham interesse em produzir novamente essa variedade crioula, pelas informações que obtiveram sobre sua produtividade e alta qualidade alimentar. “O trigo veadeiros se readaptou muito bem às condições climáticas e ambientais da região, como já era de se esperar. As 200 sementes que plantamos em 2005 chegaram a resultar na colheita de 100 quilos de sementes em 2012”, explica Sinomar.

A Cooperativa Frutos do Paraíso

De lá pra cá, Sinomar e Fernando fundaram, junto com outros produtores da Cidade da Fraternidade, a Cooper Frutos do Paraíso, que hoje reúne mais de 300 cooperados de quatro municípios da região da Chapada dos Veadeiros: São João da Aliança, Colinas do Sul, Teresina de Goiás e Alto Paraíso.

Polpas de frutos do cerrado produzidos pela Cooper Frutos do Paraíso.

Atualmente, a cooperativa atende cerca de 10 mil crianças dos municípios citados e, por isso, busca ampliar e diversificar os cultivos para garantir a segurança alimentar das comunidades da Chapada. Segundo Sinomar, o crescimento da região aponta hoje para outras necessidades. “Os produtores precisam de investimentos em infraestrutura para aumentar o seu cultivo e mais do que isso: precisam diversificar os plantios”, ressalta. “Queremos estreitar a cooperação com a Embrapa para diversificar as sementes usadas nos nossos plantios. Além do trigo Veadeiros, precisamos também de arroz, feijão, milho, frutas, hortaliças.”, afirma. Aliás, expandir horizontes é uma característica marcante na personalidade desses produtores. Mesmo com mais de 300 cooperados, eles ainda consideram esse número insuficiente. “Não é nem 10% dos quatro mil agricultores da região da Chapada dos Veadeiros, que hoje conta com 60 mil habitantes. Queremos conquistar muito mais cooperados para atuarem como multiplicadores de sementes”, enfatizam.

Diálogos agroecológicos em prol da segurança alimentar

A pesquisadora Terezinha Dias coordenou o evento “Diálogos Agroecológicos sobre Conservação e Promoção do Uso da Biodiversidade na Chapada dos Veadeiros”, nos dias 27 e 28 de agosto, em Brasília, com o objetivo de estreitar a parceria entre a Cooperativa e a Embrapa em prol da segurança alimentar da população daquela região. Também participaram do evento pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e alunos do Centro UnB Cerrado.

Sinomar Machado apresentou o trabalho da Cooperativa Frutos do Paraíso no evento Diálogos agroecológicos sobre conservação e promoção do uso sustentável da biodiversidade.

Durante a abertura do evento, o chefe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, José Manuel Cabral, garantiu o apoio aos cooperados de Alto Paraíso, o que deverá ser feito a partir de contratos de cooperação e da criação de uma rede para distribuição de sementes. "Queremos apoiar os guardiões da agrobiodiversidade brasileira na manutenção de suas coleções".

O pesquisador Nuno Madeira apresenta a coleção banco ativo de hortaliças tradicionais (não-convencionais) da Embrapa. Na foto, as folhosas "peixinho" e "azedinha".

Tubérculos tradicionais da coleção da Embrapa Hortaliças: mangarito, taioba comum, caramoela joinville, araruta seta e araruta redonda, inhame branco e inhame pezão.

Agricultores levaram mudas de variedades crioulas de batata doce da coleção dos bancos ativos da Embrapa, apresentados pelo pesquisador Geovani Amaro.


Feiras de sementes e a conservação da agrobiodiversidade
 
O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo. São 55 mil espécies de plantas, o que corresponde a aproximadamente 22% das 250 mil existentes no planeta. Ainda assim, grande parte de nossas atividades agrícolas está baseada em espécies exóticas. Os produtos processados encontrados nos supermercados são quase totalmente baseados em apenas quatro espécies de grãos.

A domesticação de plantas nativas e variedades crioulas, incluindo aquelas já conhecidas e comercializadas por populações locais, porém com pouca penetração no mercado nacional ou internacional (como as hortaliças tradicionais, também conhecidas como hortaliças "não-convencionais"), é uma grande oportunidade a ser explorada. No Brasil essa riqueza permanece sub-utilizada, particularmente em razão da imposição de padrões culturais que privilegiam produtos e cultivos exóticos. No entanto, os mercados mais expressivos, tanto nacionais como internacionais, estão ávidos por novas opções de produtos, razão pela qual os recursos biológicos e genéticos do Brasil apresentam enorme potencial.

Neste contexto, as feiras de sementes vêm ganhando destaque ao promover a conservação da agrobiodiversidade e contribuir para atender às demandas de mercado por novos produtos. As sementes tradicionais e crioulas são resultado de um trabalho sistemático e altamente elaborado de domesticação: seleção, conservação e melhoramento de cultivares, de acordo com os gostos, o clima e a dinâmica de cada região. Assim, o movimento criado pelas feiras de sementes contribui para a valorização e resgate de variedades tradicionais e para a formação de novos guardiões de sementes.

Dos dias 25 a 28 de setembro, o Centro UnB Cerrado e a Cooper Frutos do Paraíso realiza a IV Feira de Sementes e Mudas da Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso de Goiás. Entre outras atividades, está previsto na programação da feira um dia de campo para participar da colheita do trigo Veadeiros.

Fontes: Cooper Frutos do Paraíso, Centro UnB Cerrado, Embrapa, Ibama, MMA